de Eberhard Fedtke e Ana Carla Gomes Fedtke
> Encontro-me de sangue-frio numa fila frente a um supermercado, o carrinho de compras ligeiramente nas mãos, bem disciplinado, observando a distância de 2 m relativamente aos vizinhos da frente e atrás, cumprindo o que estipula a lei 2-A de 20 de março 2020. Imperativamente marcado, este isolamento social está estampado no chão em linhas amarelas, a cada 3 até 5 minutos avanço, como verifico no meu fiel relógio chinês, avaliado num valor de 10 euros, vou calculando e multiplicando os 17 compatriotas em frente a mim com uma média de 4 minutos de diferença, quando poderei entrar na loja para comprar o que preciso para a minha família, enchendo rigorosamente o carinho até ao topo. Felizmente não chove, nem pensar num martírio de tal compra! O ambiente parece um pouco como folclore, Covid 19 em tempo de confinamento, fazer as tarefas quotidianas para sobreviver sem contactos «cara a cara». Um suplício para muita gente, se vejo os vários rostos em torno. No total contabilizo uma fila com cerca de 30 pessoas bem mascaradas, algumas com luvas deselegantes. Sem máscara, é certo, ninguém entra, uma regra indiscutível! Lutamos juntos contra esta pandemia. Tem de ser, reflito absorto nesta irrealidade social.
O serviço militar não pode ser mais regulado. Mas os portugueses têm a calma e a paciência no sangue. Faz lembrar os antepassados dos séculos XV e XVI, em pleno período de Descobrimentos. Para chegar à América, foram semanas e semanas purgantes sem vento para andar em frente. O nosso povo mostrou efetivamente a sua perseverança, praticando a arte de espera e esperança. Mas a distância de 2 metros num «país de beijinhos e abraços sem fim» é um juízo digno do céu, mas uma «via dolorosa» para todo o mundo infectado.
Assalta-me a ideia de como poderei transmitir a uma outra pessoa a minha simpatia com um sorriso por detrás da máscara larga. A maneira usual de abrir a boca, mostrar os dentes e inclinar a cabeça, não serve. Devo experimentar uma nova maneira. A pessoa à minha frente com 2 m de distância obrigatória parece ter um bom vulto para uma prova espontânea. Trata-se de uma beleza, na casa dos quarenta, bem equipada com uma máscara radiante, evidenciando a magnitude dos seus olhos profundamente sonhadores. A mãe, com uma beleza igual à da filha, de máscara rosa, traz a pequenota com cerca de 12 anos, Mafalda de nome, pela mão. A pequena parece olhar continuamente para a minha máscara simples branca. Em contrapartida ela tem uma bela e pitoresca peça, com uma viva imagem dum passarinho, pintado em cima no fundo preto. Menina Mafalda, tu és muito mais bonita com a tua máscara, ganhaste a nossa competição secreta num mundo de mascarados.
Quando a mãe se virou, curiosamente com o mesmo nome, como ouvi num telefonema dela com uma amiga, tentei oferecer-lhe os meus cumprimentos com um melhor e prometedor sorriso. Abri a boca com tanta força que, mostrando os dentes quase caiu a minha máscara. Esbugalhei os meus olhos com toda a claridade e bondade, mas ela não reagiu, como que se sentisse cravada em pensamentos pandémicos. Analisei com desilusão violenta: a máscara é um obstáculo social terrível, um distúrbio zangado para a comunicação humana, um drama excessivo para a cultura.
Quando ela se virou pela segunda vez, isto porque eu tivera, entretanto, sem qualquer problema de logística uma comunicação de intensa comparação de máscaras com a sua filha Mafalda II − a rapariga farta de tamanha monotonia à sua volta − reproduzi a mesma cerimónia, usando para tal a minha própria beleza e, reforçando a minha ação, levantei a mão direita. Cumprimentei-a, deixando tremer as minhas sobrancelhas e as minhas orelhas, mas nenhuma reação chegou desta beleza distante. Quando na minha última tentativa completei os requisitos anteriores com uma profunda e dolorosa reverência para a minha coluna, quase arriscando uma prostração atrás do meu carrinho, ela riu-se mais ou menos de forma clemente, como que encantada perante a palhaçada dum doido. Acabou, a máscara é um bloqueio social catastrófico, inflexível e intransigível! Experiências de solidão no meio duma superpopulação, sem romances platónicos com as Mafaldas por detrás das nossas máscaras.
Encenei com novo entusiasmo e optimismo a mesma cerimónia ao cumprimentar com um sorriso atrás a máscara dois rapazinhos na linha atrás de mim. Usavam máscaras de estilo ilustre oriental e ambos traziam uma garrafa de cerveja na mão. Como irão beber sem mexer na máscara ou a molhar, questionava-me eu, curioso. Mas eis que, de repente, para minha surpresa, sacaram relaxadamente de uma palhinha, deitaram-na elegantemente no gargalo da garrafa e, colocando a palhinha na boca sem tirar a máscara, uma anormalidade surreal, murmuraram «obrigado» ao meu sorriso expressivo, compreendendo eu talvez um «bom apetite» ou «boa saúde». Obviamente bebem sempre a cerveja assim. A minha máscara não funcionou, não operou bem. Fim então a estas tentativas e sonhos sociais frágeis! Foi um bico de obra para entrar no supermercado.
Abreviando estas terríveis vicissitudes: Se o uso de máscara tiver como objetivo a salvação do ambiente social, era talvez preferível o «não uso» de máscara branca, como disfarce comum. Oferece-se um grande mercado de configurações individuais e de decorações especiais, ampliando na totalidade a base humana − uma panóplia ampla de máscaras diversas, salvaguardando um resto de erotismo sociocognitivo e de arte. Para qualquer publicidade da declaração íntima, pois logo provocam um sorriso automático ao observador, a máscara pode ter as cores da bandeira nacional, mostrar o símbolo do clube de futebol preferido, pode deixar ver o signo de nascimento, leão, escorpião, peixes, virgem etc., pode até enobrecer almas animais ferozes como o tigre, o elefante, o hipopótamo, o orangotango ou mesmo o resto do zoo, mas uma coisa é certa: a máscara universal para as crianças, assim como um promotor de bonecas e figuras artificiais da internet, é para toda gente um novo mundo de inspiração com marcas individuais e surpresas definitivas, um caleidoscópio infinitivo repleto de facetas multidimensionais e ocultas, formando, em simultâneo, multiplicidades de rostos de ícones surreais, sendo que no fundo, todo este novo ambiente social não é mais que, em inúmeros aspetos, um espelho da raça humana, refletindo a cara da terra. Sem passar esta época, iremos ter pouco a pouco o fim da vida social. Uma sociedade permanente com máscaras faciais, fora do carnaval, não é concebível. Uma máscara contra o vírus e por cima uma máscara para a alegria do carnaval é uma contradição infernal, um horror ético.
A indústria de máscaras deve ativamente explorar o mercado com ideias inovadoras. Quando um dia − efetivamente − acabar este período contemporâneo com o retorno de explosões drásticas e fanáticas de beijinhos e abraços bilaterais, muitas máscaras serão arquivadas e deixarão na memória encontros mascarados expressivos com recordações nomeadamente dos olhos bonitos portugueses exemplares, sejam de origem romana, árabe, visigoda e «omni-europeia» − filigranas ou violentas, simpáticas ou desconfortáveis, elegantes ou vulgares, artísticas ou rústicas, introvertidas ou progressivas, clássicas ou futuristas, honestas ou misteriosas, transparentes ou enigmáticas, terrestres ou galácticas, ambiciosas ou comodistas, insípidas e aromáticas, altruístas ou egoístas, enfim, também um desfile de lembranças exóticas e sofisticadas conforme os múltiplos caracteres únicos de portadores da máscara e da refinada tecnologia têxtil.