Ruas floridas de Redondo
Eberhard Fedtke e Ana Carla Gomes
Temos a sensação que passamos dentro de vales assimétricos de ondas coloridas, aliás voamos em vez de caminhar, melhor ainda: digamos que há algo nos eleva euforicamente. Em cima de nós flutuam inúmeras bandeiras que compõem os tectos das ruas floridas e se fecham tremulamente para o azul do céu. Em baixo e à nossa volta, múltiplos indivíduos agitam-se sem pressa. Vê-se neste autêntico convento de cultura e arte, uma simbiose fascinante entre o homem e a matéria, cidadãos redondenses caminhando confortavelmente com um recolhimento modesto, com uma discrição significativamente patriótica e alentejana nos seus rostos. Perto ou longe, notam-se os dialectos e vozes poliglotas, policromas dos turistas, que esgotam com rigor todos os expoentes nas ruas; com os olhos e com as camaras dos seus «smartphones» sempre prontas a disparar.
A famosa festa é apadrinhada pela Nossa Senhora de ao pé da cruz, padroeira da vila e da região. O cenário deste espectáculo decorre no labiríntico centro de Redondo. São 36 as ruas e praças seleccionadas. Cada uma delas apresenta uma vitrina de curiosidades, um arranjo de obras e objectos de arte regionais e do próprio país que brilham em baixo dos impenetráveis telhados de bandeirinhas de papel tão ilustres quanto as suas gentes. Até num ambiente de acalmia atmosférica, elas praticam com dinamismo um sem-fim de cataventos. Estas bandeiras produzem um admirável conglomerado de cores e agilidade, um ambiente que para nós é uma aventura inesquecível de contrastes, contrapontos, fantasias, categorias sociais, afinidades espirituais e acções religiosas. Reza a história que a origem autêntica da festividade remonta ao ano de 1838.
De forma bastante ambiciosa o Redondo, uma pérola do Alentejo, de dois em dois anos oferece um cartão-de-visita especial, nove dias de profundas narrativas de actualidades culturais e sociais oriundas da vila, da região, do país, resultados característicos das gentes, cuja originalidade e genialidade são claramente inesgotáveis, resumindo: um profuso místico na vida desta localidade.
Cada uma das 36 ruas e praças tem a sua própria cor das bandeiras e um tecto artístico. Muitos meses antes da próxima celebração, os moradores escolhem e decidem sobre as decorações e os temas dos locais que mantêm estritamente em segredo até à data da inauguração. A Câmara Municipal apenas assume o papel de moderação e o controle do evento. Abre-se aos espectadores um tsunami de surpresas, de obras volumosas e simultaneamente franzinas, repletas de alusões, sugestões, anedotas, completa-se com colagens, montagens, recepções, metamorfoses, com amplas categorias de sensibilidade exótica e conteúdos líricos e transcendentais.
Qualquer morador do Redondo põe em frente da sua porta uma obra, uma elaboração simples, sem ter necessidade de recorrer à magia do grande artesanato da filigrana. Feita com a sua própria mão, o morador mostra a sua paixão honesta para com a sua vila, tornando-a numa prenda original, nativa, sensível e comovente. Bravo, caro vizinho!
Esta partitura inteiramente cultural durante estes nove dias repleta de efeitos dignos de uma gala e afectações de festival, em ambiente pleno no Redondo, investe em todas as variações habituais e habilidosamente portuguesas. Das 10 da manhã até à meia-noite os pontos principais centram-se na animação das ruas, contrastes alentejanos, múltiplos grupos de folclore, festivais para crianças, torneios de ténis, concursos de pesca desportiva, actividades no polidesportivo municipal, noites de fado e flauta, concertos filarmónicos e de orquestras, exibições de samba e flamengo, etc. A todo este programa acrescem ainda as apresentações de trovadores, as moças do campo e cantadeiras de Redondo. À noite, diversos DJ´s animam as hostes. O imbatível ponto alto é a corrida de toiros. A festa das ruas floridas tem como fim espiritual uma missa campal na igreja do Calvário. Nove dias completos exigem um planeamento e concentração de tempo bem racionais assim como uma excelente condição física. E é bom não esquecer que neste aroma composto por arte e cultura há também os virtuosos sabores da comida e das especialidades alentejanas, como por exemplo a tradicional sopa de cação ou o ensopado de borrego, acrescentando à ementa a iguaria maravilhosa do cericá, tudo carinhosamente preparado e servido num destes restaurantes da pitoresca vila.
Fizemos uma pequena pausa num balcão de café, numa destas ruas depois de alguns dias bem passados com os familiares. Olhamos as gentes conhecidas e anónimas que passam em frente a nós; alguns exemplares estáticos, outros com admiração nos olhos, outros perdidos em pensamentos, outros dançando desinibidamente à volta numa criação exorbitante no meio da rua, num diálogo recíproco com o público. Vivemos momentos de aplauso afectuoso no Redondo que reflecte a sua autêntica cara, inequivocamente afectuosa, em reais e irreais silhuetas de uma multicultural qualidade de vida alentejana.